terça-feira, 24 de março de 2020

Vampiro Míope

Em memória da Kathya Cegha.




Ele sai de sua casa. Atravessa a cidade através de seus pés e pernas e de ônibus e de seus pés e pernas e de metrô e de seus pés e pernas. Claro que no meio do caminho passa pelo cemitério da Consolação e pensa em Kathya Cegha, a que se suicidou no som e lhe deu a dica quente. A tarde mais fria do ano é cinzenta. Está agora diante da pequena porta preta discreta, respira profundo, pro fundo de si. Toca o interfone, a porta abre, penetra confiante.
O atendente sorridente lhe entrega a toalha, os chinelos e a chave do armário. Despe o blazer preto, já não lamenta mais ter se esquecido do cachecol vermelho, despe inclusive os óculos de armação roxa, sente a miopia lhe lamber os olhos, despe a camiseta branca com a estampa de teclado preto, seu peito estufa finitamente, despe os allstars roxos e as meias sociais pretas, seus pés respiram perseguições próximas, despe a calça preta riscada, seus pelos das pernas e dos braços se eriçam, despe a cueca vermelha, um início de ereção o invade mas logo o abandona. Sua pele e suas tatuagens estão expostas como uma ferida que não tem do que se envergonhar. Guarda as roupas no armário, enrola a toalha na cintura, calça os chinelos e prende a chave no braço pelo elástico. No elástico também prende as camisinhas e os sachês de lubrificantes. Ele é o Vampiro Míope que sobe as escadas.
Despido, o Vampiro Míope rejuvenesce espermatozoide ao adentrar a sauna, o útero barulhento, desejoso de morder e chupar e foder e gozar seus irmãozinhos úmidos também espermatozoides rejuvenescidos. Os litros e litros que eles se esporrarão de olhos abertos ou de olhos fechados não vão fecundar nada, serão doce desperdício depois lavado aos jorros de chuveiros quentes ou frios.
Amar ao próximo?
O Vampiro Míope desata a toalha como se abrisse asas de morcego para mostrar seu pau duro ao rapaz paciente, as asas viscosas que sempre se abrem e batem, batem punheta um para o outro e mordem os ombros e as coxas um do outro, chovem esguichos de porra dos paus de ambos, o rapaz paciente o abandona, o Vampiro Míope mergulha no chuveiro de água fria.
Amar ao próximo?
O garoto engasgado aguarda o gozo e o guarda dentro do Vampiro Míope, apenas a membrana delicada e rude da camisinha separa a porra da boca, o clima despenca entre eles e cada um vai voando para cantos opostos, o Vampiro Míope já não está mais sequer pensando no garoto engasgado, agora é agarrar outros gozos.
Amar ao próximo?
O caralhudo tenta comer o cu do Vampiro Míope, mas sua mira ainda que lubrificada escapa ao escopo apertadinho, tenta mais um pouco mas muito pouco, apenas bate uma punheta solitária diante do Vampiro Míope, que assiste até o esporrar do caralhudo e o deixa inquieto por uma trepada completa.
Amar ao próximo?
Um rapazinho mirrado e excitado pergunta sobre as tatuagens nos antebraços e na batata da perna do Vampiro Míope, que lhe explica Radiohead e Watchmen e R.E.M. enquanto o masturba e é masturbado por ele, ambos esporram ao mesmo tempo e se separam, o Vampiro Míope mergulha no chuveiro quente chiando ainda insatisfeito.
Amar ao próximo?
Após a ducha o Vampiro Míope aguarda aguado um garoto titubeante não se aguentar mais e o agarrar, mas o garoto titubeante se aguenta e o evita tímido, o Vampiro Míope se aproxima excitado e excitante do garoto titubeante, toca-lhe o caralho e o lubrifica e o coloca no cu com coragem e destreza canhota, ascensão e queda nas dobras do cu, caga no caralho do garoto titubeante e o deixa tonto estirado em tons de tesão suarento.
Amar ao próximo?
Entre tantas músicas eletrônicas, emerge o remix de “Integral” dos Pet Shop Boys, o Vampiro Míope mira os homens uniformizados em nudez e toalhas e chinelos e em ereções e em esporradas, percebe-se parecido com eles e particularmente único em relação a eles, salta esperto para a sauna seca vazia no momento, aprecia um instante de solidão e de suor no útero barulhento e pensa: “É estranho estar pelado. Não que me façam falta as roupas. Pelo contrário, estar pelado é algo que me dá e me sobra.”.
Amar ao próximo?
Terminado o coito, o garoto tagarela quer bater papo com o Vampiro Míope, que depois de lhe dar o cu escolhe simplesmente lhe dar de ombros, pois prefere uns profundos silêncio e anonimato, molhar-se e limpar-se sob o chuveiro quente, respirar e procurar outro parceiro de coito.
Amar ao próximo?
O moço de aliança se assanha para o Vampiro Míope em estrépitos, eles trepam bem papai e mamãe porque o moço de aliança quer ser açoitado até seu cu sangrar, o pau do Vampiro Míope sai do cu ensanguentado e vai se lavar com água fria, o moço de aliança fica com as pernas escancaradas e curtindo o sangramento.
Amar ao próximo?
O Vampiro Míope contempla por um bocado de tempo aquele cara com um olho caído como o de Thom Yorke querendo copular bem louco, arqueia as asas viscosas de morcego, ensaia uma cantada barata, põe as asas e o pau pra fora, o cara e o Vampiro Míope rápidos se osculam, de uma das suas asas saca uma camisinha-carta-de-baralho, o cara geme e arfa pra caralho que o Vampiro Míope lhe suga sincopado, o cara todo molhado da própria porra penetra o cu do Vampiro Míope com seu dedo médio da mão esquerda enquanto com a direita o masturba muito, o Vampiro Míope também molhado da própria porra agradece e se afasta já guloso por outras gozadas.
Amar ao próximo?
O Vampiro Míope por um instante ínfimo e infinito sente falta dos seus óculos, parece-lhe que está talvez mais míope do que nunca, os corpos diante dele se apresentam demasiadamente difusos ainda que tão deliciosos como antes, como depois, como sempre, seu tato e seu olfato e sua audição se aguçam, ele gosta dessa gulodice animal que lhe cresce por dentro e por fora, seu falo se levanta duro e fascina os falos afiados dos três ursos que começam a rondá-lo, uma suruba se arma, o Vampiro Míope mal vê seus três parceiros de foda e pira nas porras deles que o lambuzam depressa, logo ele se encontra só e ainda sedento das próximas indelicadezas cegas dos sexos gozosos, ele sorri e gargalha em silêncio na sauna seca.
Amar ao próximo?
O menino musculoso dá o cu para o Vampiro Míope lamber e chupar e comer, mas não o beija na boca nunca, o menino musculoso dá um abraço no Vampiro Míope e parte para a sauna úmida.
Amar ao próximo?
Um homem sem rosto coloca a camisinha no caralho do Vampiro Míope, sua barba por fazer ralando as bolas e as asas dele, que voa torto longe do homem sem rosto tão logo esporra exato.
Amar ao próximo?
Com sua asa direita, o Vampiro Míope executa uma punheta cega no rapaz pálido que não retribui.
Amar ao próximo?
O homenzarrão que se senta ao lado do Vampiro Míope talvez rumine arranhões anteriores.
Amar ao próximo?
O pinto torto interpreta um caminho tortuoso pela boca do Vampiro Míope.
Amar ao próximo?
Um meia-nove renova o Vampiro Míope e sua vítima voraz vertendo sangue.
Amar ao próximo?
O útero barulhento.
Amar ao próximo?
Ele fecha os olhos ao gozar pela enésima vez e eles nunca mais se abrem. Ele não é mais o Vampiro Míope ao descer as escadas. Tateia a chave e o armário para retirar as roupas e veste sem ver a cueca vermelha, a calça preta riscada, as meias sociais pretas, os allstars roxos, a camiseta branca com a estampa de teclado preto e o blazer preto. Sua pele e suas tatuagens estão ocultas como uma ferida que não tem do que se envergonhar. Veste os óculos de armação roxa apenas por hábito. Alcança o atendente triste pelo seu cheiro e lhe devolve a toalha, os chinelos e a chave do armário. Apalpa o bolso e alcança o cartão de crédito para pagar a conta.
A pequena porta preta discreta abre para ele, que não vê o cinzento da noite mais fria do ano e respira profundo, pro fundo de si. De olhos fechadíssimos, atravessa a cidade através de seus pés e pernas e de metrô e de seus pés e pernas e de ônibus e de seus pés e pernas, guiado por estranhos que se compadecem dele. Não consegue encontrar sua casa. Se Kathya Cegha não tivesse se suicidado, ela poderia lhe ensinar como apalpar o mundo em braile.

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