Eles
entram no quarto e se sentam na cama de casal, muito perto um do outro. O gordo
é calvo, tem bigode e pelos pretos e grossos nos braços e pernas e está
vestindo camiseta preta, shortíssimo vermelho e chinelos pretos; o magro tem
fartos cabelos castanhos milimetricamente bagunçados, rosto sem barba, corpo
definido e veste camisa branca, jeans com rasgos propositais nos joelhos e
tênis brancos. Os olhos de ambos são verdes. Vou procurar a receita do Bolo
Verde. Faz quase dez anos que eu não o faço. A mão direita do gordo acaricia o
rosto liso do magro enquanto este apalpa a coxa nua do outro. Logo eles se
beijam furiosamente. “Bolo Verde. Ingredientes: 1 xícara de óleo, 4 ovos, 1
copo de iogurte natural, 1 gelatina sabor limão, 1 colher de sopa de fermento
em pó, 1 pacote de massa pronta para bolo sabor limão. Cobertura: 1 lata de
leite condensado, suco de 1 limão. Modo de Preparo. Massa: Bater todos os
ingredientes no liquidificador e misturar com a massa para bolo. Assar em forma
untada. Cobertura: Misturar os ingredientes e passar no bolo.” (Vovó
Palmirinha, “Bolo Verde”.) O magro geme quando o gordo lhe desabotoa a camisa,
que é lançada ao chão, expondo o tórax depilado do rapaz. Percebe-se um início
de ereção sob o tecido do shortíssimo do gordo enquanto ele descalça os
chinelos. O magro o liberta de sua camiseta deixando o peitoral cabeludo do
gordo à mostra. Assim que lhe tira os tênis e as meias, o gordo passa alguns
momentos chupando os pés do magro. “Fique em casa”, dizem. Mas e quem não tem
casa? E quem mora nas favelas? Nos presídios? Quantas pessoas contaminadas
hoje? Quantas mortas? O magro deita esparramando seu corpo pela cama conforme o
gordo em cima dele desabotoa seu jeans e o arranca – o magro não usa cueca. Nem
o gordo, que tem seu shortíssimo tirado pelo magro. Ambos estão nus e com
ereções enfáticas. Eu já estava despido desde o início, sentado bem aqui no meu
quarto, e agora de pau duro também. Eu costumava fazer o Bolo Verde para festas
na minha casa durante madrugadas alegres. Eram os Bailinhos da Saudade. AH, QUE
SAUDADE DOS BAILINHOS DA SAUDADE EM CAPS LOCK. O gordo começa um boquete guloso
no magro, que não tem pelos nas bolas e que está gemendo e se retorcendo na
cama e revirando os olhos. O gordo segue sugando o sexo do magro, cada vez mais
ávido. Apesar das mensagens de parabéns para mim, não sinto que hoje seja o meu
aniversário. Vou ter que comer o Bolo Verde sozinho. Com vagarosos movimentos,
o gordo e o magro engatam um meia-nove, o primeiro continua por cima do
segundo, rebolando o cu peludo conforme seu caralho é chupado. O “presidente”
quer as nossas mortes há muito tempo. Ele encontrou um expediente para isso na
doença. E a doença dança. “Like a vírus - patient hunter/I'm waiting for you,
I'm starving for you/Ooo-ooo-ooo-oooh/Ooo-ooo-ooo-oooh//My sweet adversary,
ooh/My sweet adversary, oh/My sweet adversary”. (Björk, “Virus”.) Os olhos
verdes da morte estão amplos e perigosos à espreita. O gordo é o primeiro a
ejacular, arfando e lambuzando o rosto do magro. Em seguida, eu gozo. Um pouco
depois é a vez do magro, cuja porra é lambida pelo gordo devagar e sempre.
Pequenas mortes. Eu posso vê-los e ouvi-los. Mas não posso nem tocá-los, nem
conversar com eles. Só consigo acessá-los através da tela do meu computador.
São Paulo,
03/04/2020.