Em memória da Kathya Cegha.
Ele sai
de sua casa. Atravessa a cidade através de seus pés e pernas e de ônibus e de
seus pés e pernas e de metrô e de seus pés e pernas. Claro que no meio do
caminho passa pelo cemitério da Consolação e pensa em Kathya Cegha, a que se
suicidou no som e lhe deu a dica quente. A tarde mais fria do ano é cinzenta. Está
agora diante da pequena porta preta discreta, respira profundo, pro fundo de
si. Toca o interfone, a porta abre, penetra confiante.
O
atendente sorridente lhe entrega a toalha, os chinelos e a chave do armário. Despe
o blazer preto, já não lamenta mais ter se esquecido do cachecol vermelho,
despe inclusive os óculos de armação roxa, sente a miopia lhe lamber os olhos,
despe a camiseta branca com a estampa de teclado preto, seu peito estufa
finitamente, despe os allstars roxos e as meias sociais pretas, seus pés
respiram perseguições próximas, despe a calça preta riscada, seus pelos das
pernas e dos braços se eriçam, despe a cueca vermelha, um início de ereção o
invade mas logo o abandona. Sua pele e suas tatuagens estão expostas como uma
ferida que não tem do que se envergonhar. Guarda as roupas no armário, enrola a
toalha na cintura, calça os chinelos e prende a chave no braço pelo elástico. No
elástico também prende as camisinhas e os sachês de lubrificantes. Ele é o
Vampiro Míope que sobe as escadas.
Despido,
o Vampiro Míope rejuvenesce espermatozoide ao adentrar a sauna, o útero
barulhento, desejoso de morder e chupar e foder e gozar seus irmãozinhos úmidos
também espermatozoides rejuvenescidos. Os litros e litros que eles se
esporrarão de olhos abertos ou de olhos fechados não vão fecundar nada, serão
doce desperdício depois lavado aos jorros de chuveiros quentes ou frios.
Amar ao
próximo?
O Vampiro
Míope desata a toalha como se abrisse asas de morcego para mostrar seu pau duro
ao rapaz paciente, as asas viscosas que sempre se abrem e batem, batem punheta
um para o outro e mordem os ombros e as coxas um do outro, chovem esguichos de
porra dos paus de ambos, o rapaz paciente o abandona, o Vampiro Míope mergulha
no chuveiro de água fria.
Amar ao
próximo?
O garoto
engasgado aguarda o gozo e o guarda dentro do Vampiro Míope, apenas a membrana
delicada e rude da camisinha separa a porra da boca, o clima despenca entre
eles e cada um vai voando para cantos opostos, o Vampiro Míope já não está mais
sequer pensando no garoto engasgado, agora é agarrar outros gozos.
Amar ao
próximo?
O
caralhudo tenta comer o cu do Vampiro Míope, mas sua mira ainda que lubrificada
escapa ao escopo apertadinho, tenta mais um pouco mas muito pouco, apenas bate
uma punheta solitária diante do Vampiro Míope, que assiste até o esporrar do
caralhudo e o deixa inquieto por uma trepada completa.
Amar ao
próximo?
Um
rapazinho mirrado e excitado pergunta sobre as tatuagens nos antebraços e na
batata da perna do Vampiro Míope, que lhe explica Radiohead e Watchmen e R.E.M. enquanto o masturba e
é masturbado por ele, ambos esporram ao mesmo tempo e se separam, o Vampiro
Míope mergulha no chuveiro quente chiando ainda insatisfeito.
Amar ao
próximo?
Após a
ducha o Vampiro Míope aguarda aguado um garoto titubeante não se aguentar mais
e o agarrar, mas o garoto titubeante se aguenta e o evita tímido, o Vampiro
Míope se aproxima excitado e excitante do garoto titubeante, toca-lhe o caralho
e o lubrifica e o coloca no cu com coragem e destreza canhota, ascensão e queda
nas dobras do cu, caga no caralho do garoto titubeante e o deixa tonto estirado
em tons de tesão suarento.
Amar ao
próximo?
Entre
tantas músicas eletrônicas, emerge o remix de “Integral” dos Pet Shop Boys, o
Vampiro Míope mira os homens uniformizados em nudez e toalhas e chinelos e em
ereções e em esporradas, percebe-se parecido com eles e particularmente único
em relação a eles, salta esperto para a sauna seca vazia no momento, aprecia um
instante de solidão e de suor no útero barulhento e pensa: “É estranho estar
pelado. Não que me façam falta as roupas. Pelo contrário, estar pelado é algo
que me dá e me sobra.”.
Amar ao
próximo?
Terminado
o coito, o garoto tagarela quer bater papo com o Vampiro Míope, que depois de
lhe dar o cu escolhe simplesmente lhe dar de ombros, pois prefere uns profundos
silêncio e anonimato, molhar-se e limpar-se sob o chuveiro quente, respirar e
procurar outro parceiro de coito.
Amar ao
próximo?
O moço de
aliança se assanha para o Vampiro Míope em estrépitos, eles trepam bem papai e
mamãe porque o moço de aliança quer ser açoitado até seu cu sangrar, o pau do
Vampiro Míope sai do cu ensanguentado e vai se lavar com água fria, o moço de
aliança fica com as pernas escancaradas e curtindo o sangramento.
Amar ao
próximo?
O Vampiro
Míope contempla por um bocado de tempo aquele cara com um olho caído como o de
Thom Yorke querendo copular bem louco, arqueia as asas viscosas de morcego,
ensaia uma cantada barata, põe as asas e o pau pra fora, o cara e o Vampiro
Míope rápidos se osculam, de uma das suas asas saca uma
camisinha-carta-de-baralho, o cara geme e arfa pra caralho que o Vampiro Míope
lhe suga sincopado, o cara todo molhado da própria porra penetra o cu do
Vampiro Míope com seu dedo médio da mão esquerda enquanto com a direita o
masturba muito, o Vampiro Míope também molhado da própria porra agradece e se
afasta já guloso por outras gozadas.
Amar ao
próximo?
O Vampiro
Míope por um instante ínfimo e infinito sente falta dos seus óculos, parece-lhe
que está talvez mais míope do que nunca, os corpos diante dele se apresentam
demasiadamente difusos ainda que tão deliciosos como antes, como depois, como
sempre, seu tato e seu olfato e sua audição se aguçam, ele gosta dessa gulodice
animal que lhe cresce por dentro e por fora, seu falo se levanta duro e fascina
os falos afiados dos três ursos que começam a rondá-lo, uma suruba se arma, o
Vampiro Míope mal vê seus três parceiros de foda e pira nas porras deles que o
lambuzam depressa, logo ele se encontra só e ainda sedento das próximas indelicadezas
cegas dos sexos gozosos, ele sorri e gargalha em silêncio na sauna seca.
Amar ao
próximo?
O menino
musculoso dá o cu para o Vampiro Míope lamber e chupar e comer, mas não o beija
na boca nunca, o menino musculoso dá um abraço no Vampiro Míope e parte para a
sauna úmida.
Amar ao
próximo?
Um homem
sem rosto coloca a camisinha no caralho do Vampiro Míope, sua barba por fazer
ralando as bolas e as asas dele, que voa torto longe do homem sem rosto tão
logo esporra exato.
Amar ao
próximo?
Com sua
asa direita, o Vampiro Míope executa uma punheta cega no rapaz pálido que não
retribui.
Amar ao
próximo?
O
homenzarrão que se senta ao lado do Vampiro Míope talvez rumine arranhões
anteriores.
Amar ao
próximo?
O pinto
torto interpreta um caminho tortuoso pela boca do Vampiro Míope.
Amar ao
próximo?
Um
meia-nove renova o Vampiro Míope e sua vítima voraz vertendo sangue.
Amar ao
próximo?
O útero
barulhento.
Amar ao
próximo?
Ele fecha
os olhos ao gozar pela enésima vez e eles nunca mais se abrem. Ele não é mais o
Vampiro Míope ao descer as escadas. Tateia a chave e o armário para retirar as
roupas e veste sem ver a cueca vermelha, a calça preta riscada, as meias
sociais pretas, os allstars roxos, a camiseta branca com a estampa de teclado
preto e o blazer preto. Sua pele e suas tatuagens estão ocultas como uma ferida
que não tem do que se envergonhar. Veste os óculos de armação roxa apenas por
hábito. Alcança o atendente triste pelo seu cheiro e lhe devolve a toalha, os
chinelos e a chave do armário. Apalpa o bolso e alcança o cartão de crédito
para pagar a conta.
A pequena
porta preta discreta abre para ele, que não vê o cinzento da noite mais fria do
ano e respira profundo, pro fundo de si. De olhos fechadíssimos, atravessa a
cidade através de seus pés e pernas e de metrô e de seus pés e pernas e de
ônibus e de seus pés e pernas, guiado por estranhos que se compadecem dele. Não
consegue encontrar sua casa. Se Kathya Cegha não tivesse se suicidado, ela
poderia lhe ensinar como apalpar o mundo em braile.